domingo, 28 de novembro de 2010

Hugo

Jogos eletrônicos, sempre amei... ainda mais na televisão. Hugo passava de segunda a sexta, mais precisamente na CNT, canal 9. Não lembro de quase nada da programação diária da emissora, só do Hugo. Hugo era o cara. Para jogar era necessário ligar para aquele número estranho (019) blábláblá. Tentava, tentava e tentava, mas o número só dava ocupado. um dia cheguei até a ir a casa de minha tia para ligar escondido para o bendito telefone... mas nada... ocupado de novo. Mas não desisti... Tentei ligar da escola, do orelhão e da casa dos amigos.

Até que um dia liguei sem vontade e... sim, consegui! Estava em rede nacional. Até hoje me lembro da apresentadora falando: Pronto Diego? Pensei: "Vou arrasar". Realmente me arrasei. Meu telefone não era de teclar, mas sim uma roda com buracos.
(Diego Jovanholi)

A cascuda

Meu "ato heróico" se fez sobre uma cadeira branca, diante de uma mesa redonda e um prato de comida. Naquele tempo eu almoçava de camisola. Afinal, ir pra escola era cansativo o bastante para fazer das 12 horas o fim do meu dia. Chegava em casa e as panelas já cheiravam bem. Minha mãe enchia meu prato e descia pra loja. Eu almoçava sempre sozinha e depois ía tirar minha soneca. Mas, naquele almoço, descrobri que eu estava acompanhada. No chão, uma barata branca e cascuda me desafiava. Sem dúvidas, eu precisava ser socorrida. Subi na cadeira e comecei a pedir ajuda. Meus pais não atendiam. Eu gritava por socorro, esperando que, pelo menos, algum vizinho ouvísse e ligasse pra minha casa para que, então, meu apelo fosse atendido. Percebi que as horas passavam pela perna que doía e pela comida que esfriava. A cascuda nem se mexia. Eu perdia, aos poucos, a voz e a soneca. Com o pôr do sol, meu pai apareceu, me deu um esporro, saiu e me deixou com a barata.
(Josy Antunes)

O cheiro da empada

Meu pai teve um fusca com cheiro de empada de frango. O carro tinha cor de pastel e era com ele que o "Seu Cataldo" me buscava na escola. Eu estudava no Instituto Iguaçuano de Ensino, obviamente em Nova Iguaçu. Na mesma calçada, havia uma lanchonete com o mesmo cheiro do fusca. Meu pai comprava as empadas lá, embaladas em caixas grandes. No fundo delas, havia círculos de gordura. As empadas eram revendidas embaixo da minha casa, numa loja de festas que acabara de nascer a partir do antigo comércio de móveis. Segundo meus pais, o ramo dos móveis não dava mais dinheiro. A transição de móveis para festas acarretou algumas mudanças. Digo "algumas" porque só lembro - e sei - das que eu sentia. A mensalidade da escola cara vivia atrasada e sendo negociada. Meu pai trocou o Gol vermelho pelo Fusca bege. O Fusca bege não parava na porta da escola, como antes o Gol parava. O Fusca bege parava na rua do lado. Para ajudar nas contas, meus pais vendiam salgados na loja de cara nova. Os principais consumidores eram os vereadores, da Câmara Municipal que ficava logo ao lado. Meus pais pararam de vender salgados quando a Câmara se mudou para o centro de Belford Roxo. Eu parei de estudar no Iguaçuano quando as dívidas das mensalidades não cabiam mais em negociação.
(Josy Antunes)

sábado, 27 de novembro de 2010

Daquele beijo em diante

Meu primeiro amor aconteceu logo quando entrei no ginásio. Taminy era uma bela morena simpática com fios de cabelos negros vigorosos que quase se igualavam a uma jabuticaba. Seu lábio delicado parecia uma rosa em seus últimos dias.

Seu jeito era diferenciado de todas outras meninas que eu havia beijado. Minha morena, meu coração nervoso, trêmulo de um jeito bom que eu apenas sentia.

Em um dia festivo na escola meu coração sentia tristeza. Minha morena não veio estudar ao meu lado.
Ao acabar o dia dentro da sala pego o aparelho telefônico e em total desespero procuro seu número e vejo que as manhãs com aquela morena eram tão boas que esqueci de pegar seu número.

No dia seguinte, minha morena veio e me deu um abraço forte, que na verdade não era como os outros abraços de amor, pois aquele abraço era como um abraço de amigos. Depois subimos para sala de aula e sentamos como sempre, um ao lado do outro até que veio um amigo meu e a chamou e tascou um beijo. Daquele beijo em diante não era mais minha morena, coisas de moleque aconteceram dali para frente, meu amigo que também não era mais meu amigo e eu brigamos pela nossa morena.
(Junior Machado)

domingo, 21 de novembro de 2010

Elemento poeira

Saí da minha casa, na rua Dolores, em Miguel Couto, no carro do meu pai, um Gol 1.0, às 15:30. Estava meia hora atrasado. Um pouco depois do início do trajeto, percebo o avanço nas obras de infra-estrutura do bairro. Por alguns segundos, pensei que só mesmo a vinda para o Donana me faria descobrir aquilo, devido ao percurso utilizado. Saindo da estrada Iguaçu, entro na av. General Miller, em Itaipú, e o calor ainda é forte. Tanto que a poeira, elemento constante no local, não me faz fechar as janelas do veículo. Chego ao bairro de Heliópolis e pego os atalhos que me levam à rua Aguapeí, onde está localizado o espaço. Estaciono na sombra, entro no Donana e, mesmo atrasado, começo a participar da oficina "Teu cenário é uma beleza". A temperatura, agora, está amena.
(Vagner Vieira)

As três opções

Da Central pra Belford Roxo existem 3 opções: trem, ônibus e van. Trem é R$2,80 e é ruim pra dormir. Ônibus é R$5,00, é bom pra dormir, é sujo, frio e vagaroso, além de dar medo pela possibilidade de assaltos. Van é R$5,50, é limpa, rápida e, na maioria das vezes, silenciosa. Van é ótima pra dormir. Hoje peguei van. Ela tinha portas brancas, devido a pintura descascada. A parte ainda pintada é azul e amarela. A van tinha lixeira. Um luxo. No rádio, meio de comunicação entre motoristas e "fiscais", um funk era cantado numa voz abafada. Diego dormiu suando no meu braço.
(Josy Antunes)

Cidade fantasma

Fome! Lembro que saí de casa com fome, pois hoje é domingo e a comida sempre fica pronta mais tarde que o normal.
Resisto a fome e vou para o ponto. Ambiente vazio, lojas fechadas, ônibus passando mais rápido, enfim, tranquilidade que só se encontra no dia de domingo.
No ônibus, venho atenta, olhando os pontos e procurando o Colégio Kennedy, ponto de referência, para descer e chegar ao Donana.
(Aline Merilene)

O inferno do frango assado

Saio! Pássaros voam nas árvores habituais da rua Messias. Apesar do calor, caminho para o ponto, percebo que as ruas estão desertas, mesmo para os moradores desse bairro. No ponto, observo a mesma cena de todo domingo, preguiçosos numa enorme fila de frango assado. Me foco em esperar o ônibus 728, mas apesar de querer sair daquele local, o inferno do frango assado, ví o ônibus passar um após o outro, talvez porque não queria sair rápido do local. Observando a minha volta, reparei os pontos naturalmente vazios para um domingo em Bel. Não liguei. Peguei o próximo pelo adiantar da hora.
(Geilza Soares)

Pé direito

Saio de casa e abro o portão, como faço todos os dias ao sair de casa. Mas, desta vez, algo me chama atenção. Será que saí de casa com o pé direito? Sigo pela rua ouvindo sons no mp3, que pode ser chamado de música popular do terceiro mundo. Meto a mão no bolso, conto uns trocados e pego um ônibus destino Donana.
(Marcio Graffiti)

Dormitório Van

Acordei com sono e fui mancando até o ponto, torcendo o pé em buracos. Minha rua está igual a São João de Meriti. Peguei o Caravele, em direção ao centro, para encontrar minha namorada e voltar para Belford Roxo. O Caravele balançava igual uma batedeira. E como era lerdo... Naquele movimento constante, parecia que o ônibus me ninava. Acordei no centro e encontrei ela. Voltei para Central e aquele cheirinho já me fez sentir em casa. Entrei na van, conversei, comí, rí e dormí. Acordei aqui.
(Diego Jovanholi)

Entre "medos" e "percursos"...

"Existe um Brasil central e um Brasil periférico. E a ideia da oficina é procurar essa estética de periferia" (...) "Quando você fala de narrativa, você precisa de uma cena" (Julio Ludemir)


Na primeira aula no Centro Cultural Donana, em Belford Roxo, os participantes produziram narrativas a partir da lembrança de um medo e do percurso que fizeram para chegarem na oficina. Assaltos em ônibus se coincidiram nas cenas de três participantes.



sábado, 20 de novembro de 2010

A oficina

A oficina literária "Teu cenário é uma beleza" é ministrada pelo escritor e jornalista Julio Ludemir e realizada em Belford Roxo, aos domingos no Centro, Cultural Donana.

Julio Ludemir é coordenador do projeto Jovem Repórter, em Nova Iguaçu, participou do roteiro do filme "400 contra 1", lançado recentemente nos cinemas. Dentre seus principais livros publicados estão "No coração do Comando", "Sorria, você está na Rocinha", "Lembrancinha do Adeus", "O bandido da chacrete" e "Rim por rim".

Não haverá custos para inscrição, mensalidade ou material. A ajuda de custo para a manutenção da oficina funcionará da seguinte forma: o participante leva consigo dois livros por mês, no valor de R$10 cada, vendendo-o pelo valor que ele desejar e retornando para a manutenção da oficina somente o valor original da obra.