domingo, 26 de dezembro de 2010

O cu do frango

Metastese se caracteriza pelo espalhamento de um tumor iniciado em um único órgão por vários outros órgãos. Metastese era o quadro em que se encontrava minha avó, depois que seu câncer não se contentou com o espaço do rim direito. Dona Maria José Antunes estava inatalada em um dos quartos do Hospital São Lucas, em Copacabana. eu sabia disso. Ela jurava que não. Eu não esquecia o "glamour" de estar em Copacabana nos momentos em que eu atravessava a movimentada avenida que separava o hospital do mercado "Pão de açúcar", onde eu ía todo dia trocar os R$20 que meu avô deixava comigo por Kinder Ovo, biscoito, iogurte, suco e bolo. Continuava a lembrar do "glamour" ao voltar para o confortável e gelado quarto onde minha avó estava. no caminho, esbarrava com madames e seus poodles. No quarto, guardava meus gordurosos mantimentos no armário e na geladeira, que antes só abrigavam coisas verdes com a logomarca do São Lucas. Mas minha avó não lembrava do "glamour". A fraqueza corporal não lhe permitia nem levantar da cama sozinha. A fraqueza mental a fazia acreditar que ainda estávamos em Belford Roxo - cidade onde morava há mais de 40 anos, onde vira sua filha e netos crescerem.

Aula 5: O dispositivo

Esboço de Diego Jovanholi durante a oficina no Donana
O objetivo da oficina era trabalhar o tom da narrativa - trágico, dramático ou cômico. Mas por uma questão que venho me batendo nos últimos queria também exercitar um olhar que fugisse do lugar comum, do clichê. Daí o pedido para que cada um dos participantes primeiro narrasse para os colegas uma cena cômica e depois uma cena dramática. Solicitei em seguida que olhassem para aquela mesma cena com um olhar diferenciado, que não reproduzisse o dramalhão mexicano que inevitavelmente fazemos quando testemunhamos a morte de uma pessoa querida, por exemplo. Tinha em mente o modo como uma de minhas ex-mulheres lidou com o câncer de pele de sua mãe, que ela transformou num grande brinquedo entre as duas, sobre o qual escrevi recentemente. Também tinha em mente o enterro do meu pai, em que minha irmã, recém-chegada de Londres, alternava o choro inevitável de quem está enterrando um ente querido com a felicidade de estar revendo os filhos, longe dela havia seis meses. Não gostei da parte teórica nem da avaliação que fiz dos participantes no momento em que lemos os textos ali produzidos. Mas gosto muito do resultado.
(Julio Ludemir)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Deslumbrei

Rayane Brum


Deslumbrei-me com a oportunidade de ir ao show da minha banda favorita. Tudo certo para a viagem, para ir ao show e me surge à questão o que levar para uma viagem rápida. Entre várias duvidas uma certeza, o meu fiel escudeiro, meu tênis verde, ele que sempre me acompanha nas maiores e melhores aventuras, não poderia faltar. Como o deixaria de fora dessa aventura. Arrumei minhas coisinhas na mochila e fomos, eu o fone de ouvido e o all star. A viagem estava para começar, senti-me em minha poltrona de número 23 dentro do ônibus e ao meu lado sentou-se uma menininha. A viagem ia bem, já haviam se passado três horas, quando tirei meu tênis para me sentir um pouco mais confortável, às duas horas seguintes foram de pura tranqüilidade, até o momento em que acordo com a mãe da menina a socorrendo, quando olhei para o chão não pude acreditar no que estava vendo, fiquei verdadeiramente enfurecida, enlouquecida. Aquela jovenzinha havia vomitado no meu lindo, encantador e verde tênis, que naquela ocasião dava lugar a uma coisa nojenta. A mãe da feliz jovem pediu-me desculpas pela obra de arte que sua linda filha havia feito, mas ainda enfurecida, disse à senhora, desculpas não irão limpar meu tênis. Então ela se sentou em outro lugar com sua filha. Na parada do ônibus fui ao banheiro e limpei meu tênis, que voltou a ser linda e ver e a viagem continuou, Feliz novamente.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Chinelo

José Carlos Peu (12/12/2010)

Quando era jovem, sentia um prazer inenarrável quando Ele me pisava com carinho. Quando Ele andava devagar olhando para todos os detalhes á sua volta e não tinha nenhuma preocupação com o relógio. Era como se seu desfile tivesse como o único objetivo que todos contemplassem a
minha beleza. Parecia que eu flutuava pela rua, ah! Que gozo! Era como se o mundo fosse perfeito e o céu não precisasse existir, posto que eu já estava no paraíso... Mas, estou ficando velho e gasto. Ele me usou algumas vezes para jogar futebol no asfalto duro da rua de sua casa. Cada vez que ele corria com a bola em direção ao gol, dava pisadas vigorosas no asfalto
e me machucava muito. Pressentia o pior, sabia que mais cedo ou mais tarde eu não iria agüentar este pique. Purgatório... Um dia desses, Ele desceu um morro com a bicicleta velha e sem freio
e me pressionou contra o pneu para evitar o pior para ele. Não pensou em mim, me esfolou, me deixou com uma marca irreparável e me matou um pouquinho. Nunca senti tanta dor quanto naquele dia. Todas as topadas que se seguiram não passaram de um simples prólogo do fim que se aproxima. Inferno... Hoje estou velho. Logo ele irá me rejeitar por outro mais novo ou por
coisa pior, um tênis ou sapato. Minha última vingança foi vê-lo ser quase arrastado para dentro do camburão por um policial que o confundiu com um bandido por estar calçado comigo. Termino minha vida útil feliz.

domingo, 12 de dezembro de 2010

MC Donald's 3 - O bom e velho banheiro

Jovem quer mudar o mundo. E eu também. Naquele dia, alguma coisa de 2003, era o momento em que isso iria acontecer. O governo ameaçava tirar nosso passe livre estudantil. Como membro ativo do grêmio, logome juntei a outros milhares de grupos estudantis para fazer uma série de manifestações em difetentes municípios do Rio de Janeiro.
Como não queria ir para longe com medo de levar dura de policiais da Zona Sul, resolví ir para Nova Iguaçu. Chegando lá, eu e meus companheiros nos deparamos com estudantes armados de vinho barato e muitos pacotes de Milhobom.
E, sim, me armei com aquelas armas e fui gritar pelos meus direitos. Pena que não durou muito. O sol com o vinho barato não é uma combinação muito sadia. Logo aos 10 minutos de protesto já estava chamando o Raul, tendo que recorrer ao bom e velho banheiro do MC Donald's. Vomitei por 40 minutos. Quando saí, a passeata já estava praticamente no fim. Reparei em um aglomerado de pessoas com uma bandeira na mão. Pensei que era a bandeira do Brasil. "Nossa! Que final bonito! Que amor a pátria!" Chegando mais perto, vi que era a bandeira dos EUA. Jogaram no chão e colocaram fogo. Parecia até São João.
No outro dia, eu era a celebridade da escola. Sem perceber, estava na capa do jornal.
(Diego Jovanholi)

Mc Donald's 2 - Big Mac com guaraná

Nos idos dos anos 80 o Mac Donalds era o grande acontecimento do país. Lembro-me de minha pré-adolescência. Nos meus 11, 12, 13 anos; das propagandas de televisão. O Mac Donalds foi o grande patrocinador do Rock in Rio de 1985. E abria suas primeiras filiais no Rio de Janeiro. Umas dessas filiais foi a do centro do Rio. Lá pros lados da Carioca. Meu pai trabalhava no BANERJ de lá e todo final de mês minha mãe me levava para comer big mac com guaraná. Era uma festa. Eu era um comilão. Um glutãozinho que via naquele sanduiche o verdadeiro maná caído do céu no meio do deserto. Me lembro do cheiro do pão de gergelim, do cheiro do queijo cheddar, o gosto da carne e do piclis. Aquilo me dava uma felicidade, uma esperança, uma crença no futuro. Tudo se revestia num colorido incessante,intenso e maravilhoso. Apesar de ser antes da Era Collor que de colorido não teve nada.

1984. Eu ia feliz com minha mãe para o Mac Donalds. Havia um vuco-vuco, uma movimentação na Av. Rio Branco. Carros passando, ônibus buzinando, pessoas com bandeiras e bandeirinhas do Brasil. Eu e minha mãe sentados na mesinha ouvindo vozes vindas do palanque da Presidente Vargas clamando por Diretas Já! E nas nossas bocas aquele sedutoramente superficial gosto de big mac com guaraná.
(Marcio Rufino)

Mc Donald's 1 - Feito de minhoca

Lembança de infância: Via sempre um palhaço com um gordo roxo mostrando aquele hambúrguer gigante. Cor vermelha e amarela(ketchup e mostarda). Lindo... Lindo...
Na época minha mãe não me levava lá por falar que aquele hambúrguer lindo era feito de minhoca. E eu não ligava! podia ser feito de restos humanos que comeria sem problemas. Um sanduba daquela magnetude não poderia fazer mal, pelo contrário, devia deixar a pessoa mais forte(tipo o espinafre do Popeye).
Durante um ano juntei dinheiro da merenda para comer no MC Donald's próximo ao Bob's. (Decepção). Aquele burgão não poderia me decepcionar. Chegando lá, fui pedindo o n°1! Na foto lindo. Quando me sentei e abri a caixa... Aquele hambúrguer parecia mais um vômito desmontado. Propaganda mentirosa. Depois desse dia tive certeza: Nenhum fast food presta.
(Diego Jovanholi)

Aula 4: O dispositivo

Tentei discutir a convivência do privado com o público dentro de um texto. Minha proposta inicial era usar as sandálias Havaianas que todos usavam, mas a partir de uma sugestão de Josy propus a criação de textos contando episódios da vida pessoal no Mc Donald's e depois procurando incluí-los em um momento histórico, no mínimo com uma repercussão midiática na vida da sociedade. 
Como dever de casa, um texto em que a experiência pessoal no Mc Donald's inclua uma das histórias narradas aqui. 
(Julio Ludemir)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Janaína

Há anos eu não via Janaína. Ainda me lembrava muito bem daquela menina morena, alta, forte, tímida, triste, rechonchuda, complexada em seus óculos fundo de garrafa. Mas qual não foi minha surpresa quando vi aquele mulherão; charmosa; sexy, um olhar lascivo. Havia operado os olhos, casado, tido filho, descasado, casado novamente. O tempo havia lhe presenteado com uma desenvoltura, articulação e despreendimento de causar inveja a mais competente das relações públicas. Tinha acabado de sair de seu escritório. Tinha se tornado uma advogada. Trocamos e-mail, orkut, msn.

Minha mãe havia colocado uma causa na justiça envolvendo uma importante operadora de comunicação que havia cobrado taxas a mais de pagamento. Batido o martelo, decidiu-se que minha mãe teria direito apenas ao valor já gasto com as taxas pagas a mais. Ficamos indignados: "Ora! E os danos morais?" Decidi me esclarecer com minha amiga advogada Janaína pelo msn. Uma vez adicionados, aceitos e virtualmente reencontrados um ao outro, começamos. Na tela do computador, sua foto com um suave sorriso sarcástico e o mesmo olhar lascivo dava um clima sofisticada e discretamente sensual e brejeiro.

Eu: Minha amiga. Preciso de sua ajuda.

Janaína: Pode tc, meu querido.

Expliquei a situação.

Janaína: Eu vou falar com ela quando ela sair do banho.

Eu (assustado): Mas como? Se vc não é ela, vc é quem?

Janaína: Eu sou o marido dela.

Eu: Desculpe.

Janaína: Tudo bem.

Eu: O que vc faz da vida?

Ele me respondeu que era promotor de vendas justamente da operadora que estávamos em questão, em causa na justiça.

Janaína: Eu tenho alguns versinhos seus aqui comigo.

Eu: Como? Versinhos meus?

Janaína: Versinhos que vc me deu pra digitar na época da escola.

Eu: É vc Janaína?

Janaína: Sim, sou. Acabei de sair do banho.

Eu: Ah!

Janaína: Sabe que nunca fui a mesma desde aquele dia que vc desmanchou comigo pelo telefone.

Eu: Mas isso foi na época da escola. Eu já nem me lembrava mais disso.

Janaína: Eu quis te matar.

Eu: Que é isso, Janaína?! Seu marido pode ler isso.

Janaína Ele foi na casa da madrinha com um amigo.

Eu: Nós nunca daríamos certo.

Janaína: Porque a gente não dá uma saída pra tomar umas cervejas num bar?

Eu: Sim. Vamos sair pra tomar cerveja num bar qualquer da cidade. Que dia fica bom pra vc?

Janaína: Nenhum. Eu não bebo.

Eu: Vc tá brincando comigo, Janaína?

Janaína: A Janaína foi beber água. Aqui é o marido dela.

Cansei-me daquilo. Desliguei o computador. Na tela o mesmo reflexo do sorriso levemente debochado e do olhar lascivo.

(Marcio Rufino)

Aula 3: O dispositivo

Comecei os trabalhos fazendo uma narrativa dos meus últimos dias: Filme "Rede Social", a ida ao Alemão ontem de manhã e na Vila Aliança à tarde, para concluir com a leitura do Efeito Facebook. Falei longamente sobre a fusão de tecnologias em curso nos dias de hoje, que não nos permite dizer que o Iphone é uma máquina de fotografar que faz ligações telefônicas ou uma televisão com acesso a internet.

Pedi pra que cada um dos alunos contasse uma cena vivida no MSN e depois pedi para que escrevessem um texto incorporando elementos da narrativa dos companheiros.

Propus o exercício por acreditar que a autoficção, gênero literário por excelência da sociedade do Big Brother, não nos permite diferenciar o que é verdade e o que é mentira. Estamos tentando fundir tecnologias narrativas, que além de não nos permitir saber o que é real e o que é ficção não tem uma fronteira definida entre os gêneros literários.
(Julio Ludemir)

A casa da liberdade

Começou na infância. O vício em Punk - A menina da breca era cada vez maior. As roupas coloridas, suas aventuras e seus amigos, passaram a ser meus também e assim o desejo de ter àquela casa na árvore virou sonho. Um sonho que gerou promessas, lágrimas e infinitos pedidos (na verdade súplicas) aos meus pais.
A casa da Punk era linda e toda vez que ela ia para lá, sentia a sensação de liberdade. Lá, no seu canto, a sua árvore, o seu espaço...

O tempo passou, a Punk saiu do ar e o desejo de ter a casa começou a sair fora de moda. Ela acabou não vindo, o sonho não virou realidade, mas ainda invejo quem tem uma casa na árvore.
(Aline Merilene)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Percurso para a oficina

Por: Lara Alvez

A mistura dos ritmos musicais populares era mais do que intensa na parada do ônibus, o que contraditoriamente me remeteu a cena anterior em que uma senhora,aparentemente religiosa,junto a crianças com sorrisos abertos e meigos,catavam laranjas numa rua calma, diferente da que eu me encontrava no então momento. A música que alegrava as pessoas do ponto agora não era tão diferente das laranjas que alimentariam os sorrisos e a barriga das crianças. O ônibus chegou, me dirigi ao compromisso e vi uma criança sorrir na rua. Aquela, das laranjas.

MEDO

Por: Lara Alvez

Aos sete anos me tornei ginasta. Aos dez anos achei que seria isso pro resto da vida. No meu aniversário de quinze anos eu não deixei de ir treinar apesar do cansaço que o peso das responsablidade já trazia. Agora próxima dos dezesseis eu só desejo ficar de cabeça pra baixo e deixar meu corpo falar por mim de novo. O meu grande medo é fazer dezessete. E depois vinte e um e não sentir a adrenalina e a felicidade que isso costuma ou costumava trazer pra mim.