domingo, 26 de dezembro de 2010

O cu do frango

Metastese se caracteriza pelo espalhamento de um tumor iniciado em um único órgão por vários outros órgãos. Metastese era o quadro em que se encontrava minha avó, depois que seu câncer não se contentou com o espaço do rim direito. Dona Maria José Antunes estava inatalada em um dos quartos do Hospital São Lucas, em Copacabana. eu sabia disso. Ela jurava que não. Eu não esquecia o "glamour" de estar em Copacabana nos momentos em que eu atravessava a movimentada avenida que separava o hospital do mercado "Pão de açúcar", onde eu ía todo dia trocar os R$20 que meu avô deixava comigo por Kinder Ovo, biscoito, iogurte, suco e bolo. Continuava a lembrar do "glamour" ao voltar para o confortável e gelado quarto onde minha avó estava. no caminho, esbarrava com madames e seus poodles. No quarto, guardava meus gordurosos mantimentos no armário e na geladeira, que antes só abrigavam coisas verdes com a logomarca do São Lucas. Mas minha avó não lembrava do "glamour". A fraqueza corporal não lhe permitia nem levantar da cama sozinha. A fraqueza mental a fazia acreditar que ainda estávamos em Belford Roxo - cidade onde morava há mais de 40 anos, onde vira sua filha e netos crescerem.

Aula 5: O dispositivo

Esboço de Diego Jovanholi durante a oficina no Donana
O objetivo da oficina era trabalhar o tom da narrativa - trágico, dramático ou cômico. Mas por uma questão que venho me batendo nos últimos queria também exercitar um olhar que fugisse do lugar comum, do clichê. Daí o pedido para que cada um dos participantes primeiro narrasse para os colegas uma cena cômica e depois uma cena dramática. Solicitei em seguida que olhassem para aquela mesma cena com um olhar diferenciado, que não reproduzisse o dramalhão mexicano que inevitavelmente fazemos quando testemunhamos a morte de uma pessoa querida, por exemplo. Tinha em mente o modo como uma de minhas ex-mulheres lidou com o câncer de pele de sua mãe, que ela transformou num grande brinquedo entre as duas, sobre o qual escrevi recentemente. Também tinha em mente o enterro do meu pai, em que minha irmã, recém-chegada de Londres, alternava o choro inevitável de quem está enterrando um ente querido com a felicidade de estar revendo os filhos, longe dela havia seis meses. Não gostei da parte teórica nem da avaliação que fiz dos participantes no momento em que lemos os textos ali produzidos. Mas gosto muito do resultado.
(Julio Ludemir)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Deslumbrei

Rayane Brum


Deslumbrei-me com a oportunidade de ir ao show da minha banda favorita. Tudo certo para a viagem, para ir ao show e me surge à questão o que levar para uma viagem rápida. Entre várias duvidas uma certeza, o meu fiel escudeiro, meu tênis verde, ele que sempre me acompanha nas maiores e melhores aventuras, não poderia faltar. Como o deixaria de fora dessa aventura. Arrumei minhas coisinhas na mochila e fomos, eu o fone de ouvido e o all star. A viagem estava para começar, senti-me em minha poltrona de número 23 dentro do ônibus e ao meu lado sentou-se uma menininha. A viagem ia bem, já haviam se passado três horas, quando tirei meu tênis para me sentir um pouco mais confortável, às duas horas seguintes foram de pura tranqüilidade, até o momento em que acordo com a mãe da menina a socorrendo, quando olhei para o chão não pude acreditar no que estava vendo, fiquei verdadeiramente enfurecida, enlouquecida. Aquela jovenzinha havia vomitado no meu lindo, encantador e verde tênis, que naquela ocasião dava lugar a uma coisa nojenta. A mãe da feliz jovem pediu-me desculpas pela obra de arte que sua linda filha havia feito, mas ainda enfurecida, disse à senhora, desculpas não irão limpar meu tênis. Então ela se sentou em outro lugar com sua filha. Na parada do ônibus fui ao banheiro e limpei meu tênis, que voltou a ser linda e ver e a viagem continuou, Feliz novamente.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Chinelo

José Carlos Peu (12/12/2010)

Quando era jovem, sentia um prazer inenarrável quando Ele me pisava com carinho. Quando Ele andava devagar olhando para todos os detalhes á sua volta e não tinha nenhuma preocupação com o relógio. Era como se seu desfile tivesse como o único objetivo que todos contemplassem a
minha beleza. Parecia que eu flutuava pela rua, ah! Que gozo! Era como se o mundo fosse perfeito e o céu não precisasse existir, posto que eu já estava no paraíso... Mas, estou ficando velho e gasto. Ele me usou algumas vezes para jogar futebol no asfalto duro da rua de sua casa. Cada vez que ele corria com a bola em direção ao gol, dava pisadas vigorosas no asfalto
e me machucava muito. Pressentia o pior, sabia que mais cedo ou mais tarde eu não iria agüentar este pique. Purgatório... Um dia desses, Ele desceu um morro com a bicicleta velha e sem freio
e me pressionou contra o pneu para evitar o pior para ele. Não pensou em mim, me esfolou, me deixou com uma marca irreparável e me matou um pouquinho. Nunca senti tanta dor quanto naquele dia. Todas as topadas que se seguiram não passaram de um simples prólogo do fim que se aproxima. Inferno... Hoje estou velho. Logo ele irá me rejeitar por outro mais novo ou por
coisa pior, um tênis ou sapato. Minha última vingança foi vê-lo ser quase arrastado para dentro do camburão por um policial que o confundiu com um bandido por estar calçado comigo. Termino minha vida útil feliz.

domingo, 12 de dezembro de 2010

MC Donald's 3 - O bom e velho banheiro

Jovem quer mudar o mundo. E eu também. Naquele dia, alguma coisa de 2003, era o momento em que isso iria acontecer. O governo ameaçava tirar nosso passe livre estudantil. Como membro ativo do grêmio, logome juntei a outros milhares de grupos estudantis para fazer uma série de manifestações em difetentes municípios do Rio de Janeiro.
Como não queria ir para longe com medo de levar dura de policiais da Zona Sul, resolví ir para Nova Iguaçu. Chegando lá, eu e meus companheiros nos deparamos com estudantes armados de vinho barato e muitos pacotes de Milhobom.
E, sim, me armei com aquelas armas e fui gritar pelos meus direitos. Pena que não durou muito. O sol com o vinho barato não é uma combinação muito sadia. Logo aos 10 minutos de protesto já estava chamando o Raul, tendo que recorrer ao bom e velho banheiro do MC Donald's. Vomitei por 40 minutos. Quando saí, a passeata já estava praticamente no fim. Reparei em um aglomerado de pessoas com uma bandeira na mão. Pensei que era a bandeira do Brasil. "Nossa! Que final bonito! Que amor a pátria!" Chegando mais perto, vi que era a bandeira dos EUA. Jogaram no chão e colocaram fogo. Parecia até São João.
No outro dia, eu era a celebridade da escola. Sem perceber, estava na capa do jornal.
(Diego Jovanholi)

Mc Donald's 2 - Big Mac com guaraná

Nos idos dos anos 80 o Mac Donalds era o grande acontecimento do país. Lembro-me de minha pré-adolescência. Nos meus 11, 12, 13 anos; das propagandas de televisão. O Mac Donalds foi o grande patrocinador do Rock in Rio de 1985. E abria suas primeiras filiais no Rio de Janeiro. Umas dessas filiais foi a do centro do Rio. Lá pros lados da Carioca. Meu pai trabalhava no BANERJ de lá e todo final de mês minha mãe me levava para comer big mac com guaraná. Era uma festa. Eu era um comilão. Um glutãozinho que via naquele sanduiche o verdadeiro maná caído do céu no meio do deserto. Me lembro do cheiro do pão de gergelim, do cheiro do queijo cheddar, o gosto da carne e do piclis. Aquilo me dava uma felicidade, uma esperança, uma crença no futuro. Tudo se revestia num colorido incessante,intenso e maravilhoso. Apesar de ser antes da Era Collor que de colorido não teve nada.

1984. Eu ia feliz com minha mãe para o Mac Donalds. Havia um vuco-vuco, uma movimentação na Av. Rio Branco. Carros passando, ônibus buzinando, pessoas com bandeiras e bandeirinhas do Brasil. Eu e minha mãe sentados na mesinha ouvindo vozes vindas do palanque da Presidente Vargas clamando por Diretas Já! E nas nossas bocas aquele sedutoramente superficial gosto de big mac com guaraná.
(Marcio Rufino)

Mc Donald's 1 - Feito de minhoca

Lembança de infância: Via sempre um palhaço com um gordo roxo mostrando aquele hambúrguer gigante. Cor vermelha e amarela(ketchup e mostarda). Lindo... Lindo...
Na época minha mãe não me levava lá por falar que aquele hambúrguer lindo era feito de minhoca. E eu não ligava! podia ser feito de restos humanos que comeria sem problemas. Um sanduba daquela magnetude não poderia fazer mal, pelo contrário, devia deixar a pessoa mais forte(tipo o espinafre do Popeye).
Durante um ano juntei dinheiro da merenda para comer no MC Donald's próximo ao Bob's. (Decepção). Aquele burgão não poderia me decepcionar. Chegando lá, fui pedindo o n°1! Na foto lindo. Quando me sentei e abri a caixa... Aquele hambúrguer parecia mais um vômito desmontado. Propaganda mentirosa. Depois desse dia tive certeza: Nenhum fast food presta.
(Diego Jovanholi)

Aula 4: O dispositivo

Tentei discutir a convivência do privado com o público dentro de um texto. Minha proposta inicial era usar as sandálias Havaianas que todos usavam, mas a partir de uma sugestão de Josy propus a criação de textos contando episódios da vida pessoal no Mc Donald's e depois procurando incluí-los em um momento histórico, no mínimo com uma repercussão midiática na vida da sociedade. 
Como dever de casa, um texto em que a experiência pessoal no Mc Donald's inclua uma das histórias narradas aqui. 
(Julio Ludemir)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Janaína

Há anos eu não via Janaína. Ainda me lembrava muito bem daquela menina morena, alta, forte, tímida, triste, rechonchuda, complexada em seus óculos fundo de garrafa. Mas qual não foi minha surpresa quando vi aquele mulherão; charmosa; sexy, um olhar lascivo. Havia operado os olhos, casado, tido filho, descasado, casado novamente. O tempo havia lhe presenteado com uma desenvoltura, articulação e despreendimento de causar inveja a mais competente das relações públicas. Tinha acabado de sair de seu escritório. Tinha se tornado uma advogada. Trocamos e-mail, orkut, msn.

Minha mãe havia colocado uma causa na justiça envolvendo uma importante operadora de comunicação que havia cobrado taxas a mais de pagamento. Batido o martelo, decidiu-se que minha mãe teria direito apenas ao valor já gasto com as taxas pagas a mais. Ficamos indignados: "Ora! E os danos morais?" Decidi me esclarecer com minha amiga advogada Janaína pelo msn. Uma vez adicionados, aceitos e virtualmente reencontrados um ao outro, começamos. Na tela do computador, sua foto com um suave sorriso sarcástico e o mesmo olhar lascivo dava um clima sofisticada e discretamente sensual e brejeiro.

Eu: Minha amiga. Preciso de sua ajuda.

Janaína: Pode tc, meu querido.

Expliquei a situação.

Janaína: Eu vou falar com ela quando ela sair do banho.

Eu (assustado): Mas como? Se vc não é ela, vc é quem?

Janaína: Eu sou o marido dela.

Eu: Desculpe.

Janaína: Tudo bem.

Eu: O que vc faz da vida?

Ele me respondeu que era promotor de vendas justamente da operadora que estávamos em questão, em causa na justiça.

Janaína: Eu tenho alguns versinhos seus aqui comigo.

Eu: Como? Versinhos meus?

Janaína: Versinhos que vc me deu pra digitar na época da escola.

Eu: É vc Janaína?

Janaína: Sim, sou. Acabei de sair do banho.

Eu: Ah!

Janaína: Sabe que nunca fui a mesma desde aquele dia que vc desmanchou comigo pelo telefone.

Eu: Mas isso foi na época da escola. Eu já nem me lembrava mais disso.

Janaína: Eu quis te matar.

Eu: Que é isso, Janaína?! Seu marido pode ler isso.

Janaína Ele foi na casa da madrinha com um amigo.

Eu: Nós nunca daríamos certo.

Janaína: Porque a gente não dá uma saída pra tomar umas cervejas num bar?

Eu: Sim. Vamos sair pra tomar cerveja num bar qualquer da cidade. Que dia fica bom pra vc?

Janaína: Nenhum. Eu não bebo.

Eu: Vc tá brincando comigo, Janaína?

Janaína: A Janaína foi beber água. Aqui é o marido dela.

Cansei-me daquilo. Desliguei o computador. Na tela o mesmo reflexo do sorriso levemente debochado e do olhar lascivo.

(Marcio Rufino)

Aula 3: O dispositivo

Comecei os trabalhos fazendo uma narrativa dos meus últimos dias: Filme "Rede Social", a ida ao Alemão ontem de manhã e na Vila Aliança à tarde, para concluir com a leitura do Efeito Facebook. Falei longamente sobre a fusão de tecnologias em curso nos dias de hoje, que não nos permite dizer que o Iphone é uma máquina de fotografar que faz ligações telefônicas ou uma televisão com acesso a internet.

Pedi pra que cada um dos alunos contasse uma cena vivida no MSN e depois pedi para que escrevessem um texto incorporando elementos da narrativa dos companheiros.

Propus o exercício por acreditar que a autoficção, gênero literário por excelência da sociedade do Big Brother, não nos permite diferenciar o que é verdade e o que é mentira. Estamos tentando fundir tecnologias narrativas, que além de não nos permitir saber o que é real e o que é ficção não tem uma fronteira definida entre os gêneros literários.
(Julio Ludemir)

A casa da liberdade

Começou na infância. O vício em Punk - A menina da breca era cada vez maior. As roupas coloridas, suas aventuras e seus amigos, passaram a ser meus também e assim o desejo de ter àquela casa na árvore virou sonho. Um sonho que gerou promessas, lágrimas e infinitos pedidos (na verdade súplicas) aos meus pais.
A casa da Punk era linda e toda vez que ela ia para lá, sentia a sensação de liberdade. Lá, no seu canto, a sua árvore, o seu espaço...

O tempo passou, a Punk saiu do ar e o desejo de ter a casa começou a sair fora de moda. Ela acabou não vindo, o sonho não virou realidade, mas ainda invejo quem tem uma casa na árvore.
(Aline Merilene)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Percurso para a oficina

Por: Lara Alvez

A mistura dos ritmos musicais populares era mais do que intensa na parada do ônibus, o que contraditoriamente me remeteu a cena anterior em que uma senhora,aparentemente religiosa,junto a crianças com sorrisos abertos e meigos,catavam laranjas numa rua calma, diferente da que eu me encontrava no então momento. A música que alegrava as pessoas do ponto agora não era tão diferente das laranjas que alimentariam os sorrisos e a barriga das crianças. O ônibus chegou, me dirigi ao compromisso e vi uma criança sorrir na rua. Aquela, das laranjas.

MEDO

Por: Lara Alvez

Aos sete anos me tornei ginasta. Aos dez anos achei que seria isso pro resto da vida. No meu aniversário de quinze anos eu não deixei de ir treinar apesar do cansaço que o peso das responsablidade já trazia. Agora próxima dos dezesseis eu só desejo ficar de cabeça pra baixo e deixar meu corpo falar por mim de novo. O meu grande medo é fazer dezessete. E depois vinte e um e não sentir a adrenalina e a felicidade que isso costuma ou costumava trazer pra mim.

domingo, 28 de novembro de 2010

Hugo

Jogos eletrônicos, sempre amei... ainda mais na televisão. Hugo passava de segunda a sexta, mais precisamente na CNT, canal 9. Não lembro de quase nada da programação diária da emissora, só do Hugo. Hugo era o cara. Para jogar era necessário ligar para aquele número estranho (019) blábláblá. Tentava, tentava e tentava, mas o número só dava ocupado. um dia cheguei até a ir a casa de minha tia para ligar escondido para o bendito telefone... mas nada... ocupado de novo. Mas não desisti... Tentei ligar da escola, do orelhão e da casa dos amigos.

Até que um dia liguei sem vontade e... sim, consegui! Estava em rede nacional. Até hoje me lembro da apresentadora falando: Pronto Diego? Pensei: "Vou arrasar". Realmente me arrasei. Meu telefone não era de teclar, mas sim uma roda com buracos.
(Diego Jovanholi)

A cascuda

Meu "ato heróico" se fez sobre uma cadeira branca, diante de uma mesa redonda e um prato de comida. Naquele tempo eu almoçava de camisola. Afinal, ir pra escola era cansativo o bastante para fazer das 12 horas o fim do meu dia. Chegava em casa e as panelas já cheiravam bem. Minha mãe enchia meu prato e descia pra loja. Eu almoçava sempre sozinha e depois ía tirar minha soneca. Mas, naquele almoço, descrobri que eu estava acompanhada. No chão, uma barata branca e cascuda me desafiava. Sem dúvidas, eu precisava ser socorrida. Subi na cadeira e comecei a pedir ajuda. Meus pais não atendiam. Eu gritava por socorro, esperando que, pelo menos, algum vizinho ouvísse e ligasse pra minha casa para que, então, meu apelo fosse atendido. Percebi que as horas passavam pela perna que doía e pela comida que esfriava. A cascuda nem se mexia. Eu perdia, aos poucos, a voz e a soneca. Com o pôr do sol, meu pai apareceu, me deu um esporro, saiu e me deixou com a barata.
(Josy Antunes)

O cheiro da empada

Meu pai teve um fusca com cheiro de empada de frango. O carro tinha cor de pastel e era com ele que o "Seu Cataldo" me buscava na escola. Eu estudava no Instituto Iguaçuano de Ensino, obviamente em Nova Iguaçu. Na mesma calçada, havia uma lanchonete com o mesmo cheiro do fusca. Meu pai comprava as empadas lá, embaladas em caixas grandes. No fundo delas, havia círculos de gordura. As empadas eram revendidas embaixo da minha casa, numa loja de festas que acabara de nascer a partir do antigo comércio de móveis. Segundo meus pais, o ramo dos móveis não dava mais dinheiro. A transição de móveis para festas acarretou algumas mudanças. Digo "algumas" porque só lembro - e sei - das que eu sentia. A mensalidade da escola cara vivia atrasada e sendo negociada. Meu pai trocou o Gol vermelho pelo Fusca bege. O Fusca bege não parava na porta da escola, como antes o Gol parava. O Fusca bege parava na rua do lado. Para ajudar nas contas, meus pais vendiam salgados na loja de cara nova. Os principais consumidores eram os vereadores, da Câmara Municipal que ficava logo ao lado. Meus pais pararam de vender salgados quando a Câmara se mudou para o centro de Belford Roxo. Eu parei de estudar no Iguaçuano quando as dívidas das mensalidades não cabiam mais em negociação.
(Josy Antunes)

sábado, 27 de novembro de 2010

Daquele beijo em diante

Meu primeiro amor aconteceu logo quando entrei no ginásio. Taminy era uma bela morena simpática com fios de cabelos negros vigorosos que quase se igualavam a uma jabuticaba. Seu lábio delicado parecia uma rosa em seus últimos dias.

Seu jeito era diferenciado de todas outras meninas que eu havia beijado. Minha morena, meu coração nervoso, trêmulo de um jeito bom que eu apenas sentia.

Em um dia festivo na escola meu coração sentia tristeza. Minha morena não veio estudar ao meu lado.
Ao acabar o dia dentro da sala pego o aparelho telefônico e em total desespero procuro seu número e vejo que as manhãs com aquela morena eram tão boas que esqueci de pegar seu número.

No dia seguinte, minha morena veio e me deu um abraço forte, que na verdade não era como os outros abraços de amor, pois aquele abraço era como um abraço de amigos. Depois subimos para sala de aula e sentamos como sempre, um ao lado do outro até que veio um amigo meu e a chamou e tascou um beijo. Daquele beijo em diante não era mais minha morena, coisas de moleque aconteceram dali para frente, meu amigo que também não era mais meu amigo e eu brigamos pela nossa morena.
(Junior Machado)

domingo, 21 de novembro de 2010

Elemento poeira

Saí da minha casa, na rua Dolores, em Miguel Couto, no carro do meu pai, um Gol 1.0, às 15:30. Estava meia hora atrasado. Um pouco depois do início do trajeto, percebo o avanço nas obras de infra-estrutura do bairro. Por alguns segundos, pensei que só mesmo a vinda para o Donana me faria descobrir aquilo, devido ao percurso utilizado. Saindo da estrada Iguaçu, entro na av. General Miller, em Itaipú, e o calor ainda é forte. Tanto que a poeira, elemento constante no local, não me faz fechar as janelas do veículo. Chego ao bairro de Heliópolis e pego os atalhos que me levam à rua Aguapeí, onde está localizado o espaço. Estaciono na sombra, entro no Donana e, mesmo atrasado, começo a participar da oficina "Teu cenário é uma beleza". A temperatura, agora, está amena.
(Vagner Vieira)

As três opções

Da Central pra Belford Roxo existem 3 opções: trem, ônibus e van. Trem é R$2,80 e é ruim pra dormir. Ônibus é R$5,00, é bom pra dormir, é sujo, frio e vagaroso, além de dar medo pela possibilidade de assaltos. Van é R$5,50, é limpa, rápida e, na maioria das vezes, silenciosa. Van é ótima pra dormir. Hoje peguei van. Ela tinha portas brancas, devido a pintura descascada. A parte ainda pintada é azul e amarela. A van tinha lixeira. Um luxo. No rádio, meio de comunicação entre motoristas e "fiscais", um funk era cantado numa voz abafada. Diego dormiu suando no meu braço.
(Josy Antunes)

Cidade fantasma

Fome! Lembro que saí de casa com fome, pois hoje é domingo e a comida sempre fica pronta mais tarde que o normal.
Resisto a fome e vou para o ponto. Ambiente vazio, lojas fechadas, ônibus passando mais rápido, enfim, tranquilidade que só se encontra no dia de domingo.
No ônibus, venho atenta, olhando os pontos e procurando o Colégio Kennedy, ponto de referência, para descer e chegar ao Donana.
(Aline Merilene)

O inferno do frango assado

Saio! Pássaros voam nas árvores habituais da rua Messias. Apesar do calor, caminho para o ponto, percebo que as ruas estão desertas, mesmo para os moradores desse bairro. No ponto, observo a mesma cena de todo domingo, preguiçosos numa enorme fila de frango assado. Me foco em esperar o ônibus 728, mas apesar de querer sair daquele local, o inferno do frango assado, ví o ônibus passar um após o outro, talvez porque não queria sair rápido do local. Observando a minha volta, reparei os pontos naturalmente vazios para um domingo em Bel. Não liguei. Peguei o próximo pelo adiantar da hora.
(Geilza Soares)

Pé direito

Saio de casa e abro o portão, como faço todos os dias ao sair de casa. Mas, desta vez, algo me chama atenção. Será que saí de casa com o pé direito? Sigo pela rua ouvindo sons no mp3, que pode ser chamado de música popular do terceiro mundo. Meto a mão no bolso, conto uns trocados e pego um ônibus destino Donana.
(Marcio Graffiti)

Dormitório Van

Acordei com sono e fui mancando até o ponto, torcendo o pé em buracos. Minha rua está igual a São João de Meriti. Peguei o Caravele, em direção ao centro, para encontrar minha namorada e voltar para Belford Roxo. O Caravele balançava igual uma batedeira. E como era lerdo... Naquele movimento constante, parecia que o ônibus me ninava. Acordei no centro e encontrei ela. Voltei para Central e aquele cheirinho já me fez sentir em casa. Entrei na van, conversei, comí, rí e dormí. Acordei aqui.
(Diego Jovanholi)

Entre "medos" e "percursos"...

"Existe um Brasil central e um Brasil periférico. E a ideia da oficina é procurar essa estética de periferia" (...) "Quando você fala de narrativa, você precisa de uma cena" (Julio Ludemir)


Na primeira aula no Centro Cultural Donana, em Belford Roxo, os participantes produziram narrativas a partir da lembrança de um medo e do percurso que fizeram para chegarem na oficina. Assaltos em ônibus se coincidiram nas cenas de três participantes.



sábado, 20 de novembro de 2010

A oficina

A oficina literária "Teu cenário é uma beleza" é ministrada pelo escritor e jornalista Julio Ludemir e realizada em Belford Roxo, aos domingos no Centro, Cultural Donana.

Julio Ludemir é coordenador do projeto Jovem Repórter, em Nova Iguaçu, participou do roteiro do filme "400 contra 1", lançado recentemente nos cinemas. Dentre seus principais livros publicados estão "No coração do Comando", "Sorria, você está na Rocinha", "Lembrancinha do Adeus", "O bandido da chacrete" e "Rim por rim".

Não haverá custos para inscrição, mensalidade ou material. A ajuda de custo para a manutenção da oficina funcionará da seguinte forma: o participante leva consigo dois livros por mês, no valor de R$10 cada, vendendo-o pelo valor que ele desejar e retornando para a manutenção da oficina somente o valor original da obra.